quinta-feira, 2 de julho de 2015

O Ius Commune e as Escolas de Direito Romano

Enviado por: José Scalco Wächter

1. “O IUS COMMUNE E AS ESCOLAS DE DIREITO ROMANO”

A partir do ano 1000, a Europa vivia sob três fontes do direito: os costumes, direito romano e direito canônico. O “Ius Commune", revela-se como um ordenamento jurídico composto pelos três direitos e como pela própria tradução de Direito Comum, um fenômeno de ordem global, no qual foi uma parte real da lei na maioria das áreas, principalmente na península ibérica. O “Ius Commune" foi o verdadeiro direito vigente e universal, formando a base do pensamento jurídico na Europa Ocidental após a redescoberta e recepção do Digesto de Justiniano, adequando-se ao “Ius Proprium”. Com as mudanças da realidade europeia, que a partir do século XI, presenciaram um grande avanço social e também no comercio e negócios, permitidos principalmente pelo evento do Renascimento, necessitou-se uma ordem como a todos, de forma a organizar e desenvolver o comércio, não sendo possível o direito dos Reis e do Papa interferir e regulamentar os negócios. Essa nova realidade, portanto, necessitava desenvolver um direito comum a todos, uma forma unitária, de maneira a redigir e desenvolver não só o mundo dos negócios, mas também no direito da família, processo penal e civil. Diante dessa perspectiva, o “Ius Commune” foi desenvolvido. Além disso, as universidades apresentaram um papel fundamental, pois produziram recursos humanos capacitados para o trabalho nos reinos e para dar início à autonomia da ciência ocidental.

O Digesto, apesar de ser aplicado a uma realidade a qual não foi feita, apresentava trechos importantes sobre diversos aspectos, o que permitiu a criação e o desenvolvimento de escolas de direito romano medieval. Essas escolas, que começam em Bolonha, divididas em três gerações, são consideradas fundamentais para o desenvolvimento do direito, pois além de serem juristas capacitados, capazes de ler, escrever e redigir documentos com efeitos jurídicos, em meio a uma sociedade medieval com limitada escolaridade, interferem na sociedade medieval sendo considerados novos clérigos, isto é, um novo estamento respeitado, conforme José Reinaldo de Lima Lopes em sua obra “O Direito Na História”. A primeira geração, chamada de Glosadores em razão das Glosas, vivida entre os séculos XII e XIII, anotações ao lado do Digesto de Justiniano, buscaram a interpretação e eliminação das ambiguidades do digesto, para depois sistematizar a glosa. Essa geração, entretanto, não aplicou-as aos casos reais, na vida prática, apenas queriam comprová-la como instrumento de razão da verdade.  Na obra “História do Direito” de Paulo da Cunha, Joana Aguiar e Silva e António Soares explicitam a importância da glosa e sua eficácia:

“Da mais simples à mais complexa, a glosa pode-se traduzir na mera substituição de um termo mais obscuro por um mais transparente, ou na explicitação singular, claro e eficaz, de um termo ou de um conceito, até chegar a constituir verdadeiros desenvolvimentos teóricos de mataria jurídica que iam muito para além da formalidade da letra do texto. […] Desenganem-se pois aqueles que veem nas glosas um instrumento de pura exegese analítica e literal, superada apenas pela metodologia das posteriores gerações de comentadores, que gozariam já da faculdade de alcançar o respectivo espírito e sentido racionais.” (CUNHA, Paulo Ferreira. AGUIAR E SILVA, Joana. SOARES, António Lemos. “História do Direito - Do Direito Romano à Constituição Europeia”. Outubro 2005. Página 168.).
   
A passagem da escola dos glosadores à escola dos comentadores, considerados a segunda geração, caracteriza-se como um momento em que se generaliza a carência de preconceitos relativamente aos fundamentos romanos, pois segundo Paolo Grossi, grande estudioso, apesar de ambas as escolas, preocuparem-se com a natureza teórica, contudo os a segunda geração teve um papel mais afundo na resolução dos fatos reais que preambulavam a sociedade.

Diferentemente da primeira geração, os chamados Comentadores ou Conciliadores, durante o século XIV, eram considerados mais ativos, e buscaram interpretar, comentar e principalmente aplicar suas interpretações e comentários aos fatos reais, produzindo assim um novo direito, com novos comentários e novas sistematizações. Os comentadores são considerados como fundamentais para a formação atual do direito, pois constituíram uma nova sistematização e percepção do direito, caraterizando-se pela utilização massiva na ciência do direito toda a metodologia da escolástica. Em sua notória obra “O Direito Na História”, José Reinaldo retrata muito bem essa geração tão influente na época:
   
“Os comentadores, a segunda escola, transformaram-se nos grandes conselheiros dos príncipes, das comunas e dos particulares, emitem opiniões e pareceres (consilia) e ajudam a dar mais um passo na unificação, ou pelo menos, na harmonização dos direitos locais espalhados pela Cristandade. Eles conciliam os direitos locais entre si, pela via do direito comum, o “Ius Commune", ou seja, o direito romano erudito, acadêmico. Eles tornam possível tampem uma convivência da tradição feudal com as novas tendências da vida européia: o comércio e a monetarização da vida e das obrigações, uma certa flexibilização nas transferências de terras e sucessões.”. (LOPES, José Reinaldo de Lima. “O Direito Na História”. Página 134).

Os comentadores, são considerados mais práticos e livres, pois respondem a indagações e tratam sobre temas sem necessariamente seguir a própria ordem do direito romano. A partir de interpretações mais literais do Digesto, a Escola Italiana desenvolveu um livro que foi adicionado ao Digesto. Os maiores comentadores são Cino de Pistóia (1270-1336), Baldo de Ulbadis (1327-1400) e Bártolo de Sassoferrato (1314-1357), tendo esse último escrito sobre tudo, direito privado e público, respondendo consultas, compondo comentários e tratados. Por outro lado, a considerada “reformadora do estudo”, os chamados Humanistas, possuíam uma outra visão de mundo, pois consideravam o direto romano a ser estudava com história do direito, e não como o direto atual e vigente.


REFERÊNCIAS

BERMAN, Harold J. Direito e Revolução - A Formação da Tradição Jurídica Ocidental. Publicado em 2006.

CUNHA, Paulo Ferreira. AGUIAR E SILVA, Joana. SOARES, António Lemos. História do Direito - Do Direito Romano à Constituição Europeia. Outubro 2005.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 2ª edição, 2002.

SOCIOLOGIA JURÍDICA. Disponível em: <http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-6/248-ius-commune-uma-manifestacao-pluralista-na-idade-media-guilherme-camargo-massau>. Acessado em 11.06.2015.

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