quinta-feira, 3 de março de 2016

Conclusões dos Sistemas Processuais Penais

Enviado por: Bernardo Carneiro
Autoria de: Mauro Fonseca Andrade

Título do livro: Sistemas Processuais Penais e seus Princípios Reitores. Autor: Mauro Fonseca

CONCLUSÕES [do livro Sistemas Processuais Penais e seus Princípios Reitores]

Em vista da investigação realizada, estas são as conclusões mais importantes a que chegamos:

Primeira. Os sistemas processuais penais vêm sendo utilizados como pano de fundo para encobrir preferências ideológicas de conhecidos setores da doutrina. Há um verdadeiro esforço criativo em subverter dados históricos e informações provenientes do direito comparado (doutrina, reformas legislativas e jurisprudência de altas cortes), a fim de que os sistemas acusatório e inquisitivo sejam apresentados com características que nunca tiveram.

Isso provoca uma luta pela apropriação ou utilização dos termos acusatório e inquisitivo. De um lado, a simples aderência do termo acusatório a um determinado sistema faz com que ele obrigatoriamente seja composto por princípios e institutos de caráter liberal, e seu processo não passe de um enfrentamento que trate de interesses meramente privados. Por outro lado, o termo inquisitivo vem sendo utilizado para afastar tudo o que não é de interesse de uma determinada linha doutrinária, pois fica mais fácil vincular certos institutos ou práticas judiciais à ideia de algo pejorativo ou arbitrário, embora a história do processo penal não corrobore tais conclusões.

Segunda. Os termos sistema e princípio não devem ser confundidos ou utilizados como se representassem a mesma ideia. Sistema significa o conjunto de elementos ou princípios destinados a formar um todo orgânico, e princípio nos transmite a ideia de algo que surge com anterioridade. A relação existente entre sistema e princípio seria de continente e conteúdo, respectivamente, já que os sistemas estão formados por princípios.

Terceira. Os sistemas processuais penais podem ser definidos como subsistemas jurídicos, formados a partir da reunião, ordenada e unificada, de elementos fixos e variáveis de natureza processual penal.

Quarta. Por serem derivados dos sistemas jurídicos, os sistemas processuais penais estão formados por elementos fixos e elementos variáveis. Os elementos fixos se destinam a criar e identificar cada sistema, ao passo que os elementos variáveis se destinam a permitir o funcionamento e mobilidade desse mesmo sistema.

Quinta. Os diferentes sistemas processuais penais contêm dois elementos fixos: um de ordem principiológica, e outro de ordem procedimental.

O elemento de ordem principiológica está relacionado ao princípio reitor de cada sistema, mais especificamente à importância atribuída à figura do acusador. Nos sistemas processuais penais, cumprem essa função o princípio acusatório e o princípio inquisitivo. Assim, o princípio acusatório exige a presença obrigatória de um acusador distinto do juiz em todo um modelo de processo. Já o princípio inquisitivo representa o caráter-prescindível de um acusador distinto do juiz em todo um modelo de processo, e não em um determinado processo in concreto.

O elemento de ordem procedimental se refere ao fator ou fatores que, em cada sistema, são determinantes para a abertura do processo judicial de natureza punitiva.

Sexta. O sistema acusatório se caracteriza por contar com dois elementos fixos, que são: o princípio acusatório e o fato de que somente o oferecimento da acusação é que permite o início de seu processo. Os demais elementos invocados pela doutrina (p. ex., os princípios da oralidade, contraditório, publicidade e igualdade de armas) são elementos variáveis desse sistema, pois alguns dos modelos acusatórios analisados os consideraram prescindíveis ao longo de todo o seu processo, ou restringiram sua manifestação em determinadas ocasiões.

O sistema acusatório surgiu no direito ateniense, sob o argumento de levar a equidade a um processo que somente estava formado pelo acusado e pelo julgador. Para que isso fosse possível, foram limitados os poderes do órgão julgador, transferindo sua legitimidade persecutória a um terceiro sujeito distinto do juiz. Esse sujeito atuaria como acusador, e poderiam ser exercidas pela vítima, por qualquer cidadão, por um funcionário público ou, inclusive, por um representante do poder central, especialmente nomeado para esse fim.

O predomínio do sistema acusatório se deu primeiramente na Idade Antiga, até ser destronado pelo sistema inquisitivo, ainda nesse período, em razão dos problemas apresentados em suas manifestações originárias. Seu retorno ao cenário internacional ocorreu após a segunda metade do século XX (especificamente a partir da década de setenta) por influência da doutrina alemã, em razão dos problemas de ordem dogmática apresentados pelo sistema misto.

Sétima. O sistema inquisitivo está formado por dois elementos fixos, que são: o princípio inquisitivo, e o fato de que a abertura de seu processo pode ocorrer tanto através do oferecimento de uma acusação, como também através de uma notitia criminis ou mesmo de oficio. Do mesmo modo que o sistema anterior, qualquer outro elemento comumente apontado pela doutrina (p. ex., os princípios de escritura, segredo e oficialidade) integrará o rol de seus elementos variáveis, pois alguns dos modelos inquisitivos analisados os consideraram prescindíveis ao longo de todo seu processo, ou restringiram sua manifestação em determinadas ocasiões.

O inquisitivo é o sistema processual penal mais antigo entre os três conhecidos. Surgiu para salvaguardar os interesses persecutórios do poder central, ampliando o leque de opções para a abertura do processo repressivo, prescindindo da iniciativa popular.

O delito era considerado uma ofensa ao poder central, e, por essa razão, em suas primeiras manifestações se concedia legitimidade exclusiva ao soberano para perseguir criminalmente.

Durante o Império Romano, a Igreja Católica incorporou esse modelo de persecução penal a suas práticas processuais, voltando a utilizá-lo, na Idade Média, como instrumento para o combate à heresia em terras europeias. Assim o foi porque a atuação popular não era suficiente para frear a expansão de outras seitas e doutrinas religiosas distintas do cristianismo.

A prevalência do sistema inquisitivo se deu nas Idades Média e Moderna, em virtude das perseguições religiosas e políticas realizadas pela Igreja Católica em conjunto com o poder central de cada país. O início de sua decadência se deu com a Revolução Francesa, mas se consumou a partir de 1808, em razão da difusão do Code d'Instruction Criminelle francês em terras europeias e entre os países colonizados por Espanha e Portugal.

Oitava. O sistema misto apresenta um modelo de processo bifási­co, e está formado por dois elementos fixos, que são: o princípio acusatório, e o fato de que a abertura de seu processo se dá sem a acusação (por notitia criminis ou de ofício). Ele adotou um elemento fixo do sistema acusatório (elemento de ordem principiológica), e outro do sistema inquisitivo (elemento de ordem procedimental), justificando a denominação misto. Sua in­vestigação criminal tem natureza processual, e a acusação é responsável pela abertura da segunda fase do processo.

A manifestação mais remota que encontramos desse sistema teve lugar durante a Inquisição Espanhola, na Copilación delas InftruCtiones del Officio dela fanCta lnquificion, fechas en Toledo, año de mil y qui­nientos y fefenta y un años, do inquisidor Fernando de Valdés. Isso nos permite afirmar que o Code d'Instruction Criminelle francês, de 1808, deve ser considerado o grande difusor do sistema misto, ao invés de ser o seu verdadeiro criador.

O sistema misto teve seu predomínio entre o século XIX e a pri­meira metade do século XX. A partir dos anos setenta deste último século, o sistema misto começou a ser sistematicamente substituído pelo sistema acu­satório, em razão da incompatibilidade que há entre sua estrutura processual e os postulados da ciência processualista contemporânea.

Nona. Os elementos variáveis do sistema acusatório (p. ex., os princípios da oralidade, contraditório, publicidade e igualdade de armas) podem fazer parte do sistema inquisitivo, do mesmo modo que os elementos variáveis do sistema inquisitivo (p. ex., os princípios de escritura, segredo e oficialidade) podem estar presentes no sistema acusatório. Isso é resultado da mobilidade que caracteriza os elementos variáveis.

Por essa razão, não se pode afirmar que os elementos variáveis do sistema acusatório sejam princípios acusatórios, e que os elementos variá­veis do sistema inquisitivo sejam princípios inquisitivos.

Décima. A função dos sistemas processuais penais é servir como um instrumento de auxílio ao legislador, à hora de estabelecer a política cri­minal em âmbito processual. Eles são responsáveis por determinar o grau de eficiência da repressão criminal, o grau de imparcialidade dos juízes e o grau de tecnicidade da persecução penal.

Décima Primeira. Alguns países não seguem um padrão único e predeterminado de processamento penal, estabelecendo procedimentos espe­cíficos para cada tipo de delito. A consequência dessa pluralidade procedi­mental é a quebra da igualdade no tratamento entre os sujeitos passivos das diversas modalidades de processo penal, e o risco de se adotar um sistema processual penal para cada tipo de procedimento.

Em situações como essas, está ausente a unidade da normatização processual penal do país -também chamada de principium unitatis -, que se constitui em um dos requisitos determinantes para a existência dos sistemas jurídicos, e, por conseguinte, dos sistemas processuais penais. Com isso, para que se possa dizer que um determinado país possui um sistema de pro­cesso penal, sua normatização processual penal deve estruturar-se exclusi­vamente em tomo de um único sistema, seja acusatório, inquisitivo ou misto. Do contrário, esse país irá apresentar modelos de processo, em vez de um sistema processual penal propriamente dito.

A ausência de um sistema processual único também deixa clara a inexistência de um plano de política criminal destinado a estruturar e organi­zar conscientemente a persecução penal de alguns países. Em realidade, a tradição de certos procedimentos ou institutos processuais supera qualquer tentativa de uniformizar a normatização processual penal desses países, para que se possa adequá-la integralmente aos postulados da doutrina processualista atual.


REFERÊNCIA

ANDRADE, Mauro Fonseca. Sistemas Processuais Penais e seus Princípios Reitores. 2ª ed. Curitiba: Juruá. 2013. p. 479-482.

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