sexta-feira, 10 de junho de 2016

Alienação Fiduciária

Enviado por: Bernardo Carneiro
Autorias de: Lucas Rodrigues, Luciano Correia Filho, Ravana de Melo e Rafael Marques

Alienação Fiduciária - Chave fica contigo, e até pagar a casa é minha.

1. Alienação Fiduciária em Garantia de Bem Móvel no Mundo [Evolução histórica da alienação fiduciária em garantia de bem móvel]

A palavra fidúcia tem sua origem do latim fiducia, de confiar, da própria confiança ou fidelidade, significando o pontual e exato cumprimento de um dever. Por seu significado, já se depreende não ser possível precisar com exatidão as origens e fundamentos do negócio fiduciário, mas pode-se afirmar que recebeu sua estruturação em três sistemas jurídicos: o romano, o alemão e o inglês.

Na Roma antiga, assegurado pela Lei das XII Tábuas, o credor detinha o direito de matar o devedor que não tivesse adimplido sua dívida: “Se não pagar e ninguém se apresentar como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso máximo de 15 libras, ou menos, se assim o credor quiser”. [ver tábua terceira, n. 6]

Assim, o credor romano tinha direito sobre o corpo do devedor que, por ser um inadimplente, respondia pelos seus débitos com sua liberdade e até mesmo com a vida. 

Com o passar do tempo o entendimento foi evoluindo e transferiu-se o ônus pelo não adimplemento da dívida para o patrimônio material do devedor. Desta forma, surgiram as figuras da fidúcia cum amico e da fidúcia cum creditore. A fidúcia cum amico era tão-somente um contrato de confiança e não de garantia, em que o fiduciante alienava seus bens a um amigo, com a condição de lhe serem restituídos quando cessasse as circunstâncias aleatórias, como o risco de perecer na guerra, uma viagem etc. A fidúcia cum creditore já continha caráter assecuratório ou de garantia, pois o devedor vendia seus bens ao credor sob a condição de recuperá-los se, dentro de certo prazo, efetuasse o pagamento do débito. Conferia uma excessiva vantagem ao credor, pois lhe permitia conservar a propriedade de coisa de valor muito superior ao débito. Nestas duas espécies de fidúcia nota-se que havia uma transferência da coisa ou do direito para determinado fim, com a obrigação do adquirente de restituí-lo ao alienante depois de cumprido o objetivo que se pretendia. (DINIZ, 2002, p. 59)

No Direito germânico a fidúcia era o ato pelo qual o fiduciário vinha a receber a titularidade de um direito do fiduciante, que a alienava o direito sem causa que justificasse a aquisição por parte do adquirente que, por essa razão, obrigava-se a restituí-lo em certos casos. A expressão negócio jurídico fiduciário foi empregada pela primeira vez por Regelsberger, que, seguido de Goltz, veio entender que nos negócios fiduciários apresentam-se dois contratos: um contrato real positivo, pelo qual opera-se a transferência de um direito de propriedade ou de crédito, e um contrato obrigatório negativo, pelo qual o fiduciário teria o ônus de restituir ao fiduciante, ou de transferir a terceiro, o direito que recebeu em confiança. Ao lado dessa concepção dualista há a monista, que vislumbra no negócio fiduciário um só contrato, caracterizado pela causa fiduciae, que é a transferência de propriedade sob condição resolutiva como garantia de realização do crédito.

No Direito inglês o negócio fiduciário possui caracteres próprios, delineando-se na sua estrutura duas figuras: o trust receipt e o chattel mortage. O trust receipt requer a presença de um vendedor, de um comprador e de um financiador, por ser a operação para obter financiamento da compra de mercadorias, em que a transferência da propriedade do bem do vendedor para o financiador (em regra entidade financeira), que a entrega ao adquirente, deste recebendo um documento (trust receipt), onde se declara que o comprador ficará possuindo em nome do financiador a coisa adquirida, que será posteriormente alienada pelo comprador para com o produto da venda pagar o valor do financiamento, sendo muito utilizado nas vendas internacionais. O chattel morgtage, ou hipoteca mobiliária, consiste na transferência da propriedade de coisa móvel ao credor, conservando o devedor a posse sob a condição resolutiva do pagamento do quantum devido. O devedor (mortgager) oferecia ao credor um estate de que era proprietário, e, uma vez paga a dívida, o devedor podia reclamar do credor a retrocessão do estate, logo, se não houver pagamento do débito o credor adquirirá a titularidade.

O instituto da fidúcia proliferou, vindo a ser absorvido por várias legislações, sob as mais diversas denominações e aplicações, traduzido, quase sempre, num acordo de boa-fé, bilateral, caracterizado pela confiança que uma parte deposita na outra, onde o credor fiduciário recebe um bem como garantia do cumprimento de uma determinada obrigação, por meio de uma suposta transação de compra e venda, assumindo a obrigação de restituí-lo ao devedor fiduciante depois de cessadas as causas que motivaram a instituição de tal garantia.

1.1. Alienação Fiduciária em Garantia de Bem Móvel no Brasil

No Direito brasileiro reconhecem os doutrinadores várias figuras de negócio fiduciário: a venda com escopo de garantia, a venda para recomposição de patrimônio, a doação fiduciária, a cessão fiduciária de crédito para cobrança ou para fins de garantia, além de outras que não contrariem a lei, nem prejudiquem terceiros.

Salienta-se a doutrinadora Maria Helena Diniz:

A alienação fiduciária em garantia é um negócio típico do Brasil, para garantir as operações de crédito, apesar de apresentar grandes diferenças relativamente ao negócio fiduciário romano e germânico, apresenta certa similitude no que atina ao sistema inglês de negócio fiduciário, principalmente com o chatel mortgage.

Após várias décadas de práticas de “negócios fiduciários inominados”, sem uma proteção legal específica, constata-se o surgimento da fidúcia no Direito Positivo nacional como instituto de segurança típico, com estrutura legal ostensiva de garantia, pela da Lei nº. 4.864/65 (Lei de Estímulo à Indústria de Construção Civil), sob a forma de cessão fiduciária de crédito, e da Lei nº. 4.728/65 (Lei de Mercado de Capitais), sob a forma de alienação fiduciária em garantia de bem móvel.

A alienação fiduciária em garantia foi introduzida na legislação brasileira pelo artigo 66 da Lei nº. 4.728/65, tratando-se de um novo instrumento de garantia destinado a permitir a difusão do crédito direto ao consumidor, podendo utilizar-se dela, na condição de credor, a priori, somente as instituições financeiras regulamente registradas perante o Banco Central do Brasil.

Sabe-se que no ano de 1969, o Governo foi assumido por Emílio Garrastazu Médici, que permaneceu no poder até 15 de março de 1974, ficando seu governo conhecido como “os anos negros da ditadura”, mas também foi nesse período de endurecimento político que houve o chamado “milagre econômico”, crescimento do PIB, diversificação das atividades produtivas, concentração de renda e surgimento de uma nova classe média com alto poder aquisitivo, o que justifica se lançar mão de medidas legislativas, um tanto ásperas, para manter a economia em franco crescimento.

Foi nesse contexto nacional que surgiu alienação fiduciária em garantia de bem móvel, visando a impulsionar a indústria brasileira, especialmente a automobilística e de eletrodomésticos, por meio do financiamento de bens de consumo duráveis, gerando, consequentemente, um aumento do mercado consumidor. Tal consequência foi quase imediata com o aumento no financiamento de crédito direto ao consumidor e uma grande expansão industrial, contudo, com o surgimento da Lei nº. 4.728/65, artigo 66, começaram as dúvidas e contradições sobre a aplicação dos métodos judiciais cabíveis nos casos de inadimplemento ou mora das obrigações pactuadas no contrato de financiamento com garantia fiduciária, já que foram fixadas normas de direito material, não estabelecendo quais os meios processuais adequados a serem utilizados. Desta forma, os tribunais nacionais interpretaram de diversas maneiras sobre quais os meios processuais cabíveis, admitindo, assim, as mais variadas ações, desde a reintegração e a imissão de posse até a reivindicatória, além da ação ordinária de busca e apreensão e de depósito, o que gerou total divergência jurisprudencial.

Deste modo, os próprios juízes, visando uniformizar a jurisprudência, sentiram a necessidade da elaboração de uma lei de cunho processual para estabelecer o processamento e quais os tipos de ações cabíveis quando se tratasse de alienação fiduciária em garantia de bem móvel. A partir disso, elaborou-se a elaboração do Decreto-lei nº. 911/69 para suprir as lacunas e imprecisões técnicas do art. 66, da Lei nº. 4.728/65, o qual estabeleceu regras processuais e deu nova redação a algumas disposições de natureza substantiva.

Vale salientar, que em sede processual, que o art. 56 da Lei 10.931/2004 modificou radicalmente o Dec.-lei 911/1969, através da nova redação conferida aos §§ 1º a 8º, do art. 3º, que prevê a possibilidade jurídica de o credor requerer contra devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou inadimplemento do devedor

A alienação fiduciária foi recepcionada pelo Código Civil de 1916, no Livro II, Título III, Capítulo VIII (Dos direitos reais de garantia), sendo novamente aceita pelo novo Código Civil brasileiro, que entrou em vigor em 2002, no Livro III, desta vez, com capítulo próprio, o Capítulo IX (Da propriedade fiduciária).

2. A origem histórica no mundo [Alienação fiduciária de bens imóveis: Aspectos gerais e específicos]

A alienação fiduciária tem por ascendentes históricos contratos utilizados pelo Direito Romano, conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves:

(...) alienação fiduciária em garantia, inspirada na fidúcia cum creditore do direito romano, pela qual o devedor transferia, por venda, bens seus ao credor, com a ressalva de recupera-los se, dentro em certo tempo, ou sob dada condição, efetuasse o pagamento da dívida. O aludido direito conheceu também a fidúcia cum amico, baseada na confiança e que permitia a uma pessoa acautelar seus bens contra determinados riscos, alienando-o a um amigo, com ressalva de lhe serem restituídos após passado o perigo.

Humberto Theodoro Júnior, ao atualizar a obra de Orlando Gomes, acrescenta que a alienação fiduciária em garantia integra o instituto mais amplo do negócio fiduciário, que já era do conhecimento do Direito Romano e que precedeu os institutos da hipoteca e do penhor. “Pela fidúcia cum creditore, uma das modalidades do negócio fiduciário romano, o devedor transmitia ao credor o domínio de um bem, que, posteriormente, lhe seria restituído, quando do resgate da dívida [...]”.

Este contrato possui também características similares ao trust receipt, utilizado pelo Direito Anglo-Saxão. Neste, o vendedor da mercadoria a entrega ao revendedor, por confiança, se valendo de documento (trust receipt) que garante seu direito de receber o pagamento pelos bens vendidos, após feita a revenda.

2.1. A origem histórica no Brasil

No Brasil o contrato de alienação fiduciária foi instituído no ordenamento jurídico em 1965, com a promulgação da Lei nº 4.728/1965, que disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. Esta lei em seu artigo 66 regula os limites de aplicação deste instituto, tendo sido a primeira lei a tratar da alienação fiduciária no Brasil.

A alienação fiduciária surgiu como resposta às demandas da sociedade, que buscava um modelo de contrato que conferisse maior garantia à compra e venda realizadas a prazo.

Esta modalidade de contrato facilitou a concessão de crédito ao consumidor, inicialmente através das instituições financeiras e, hoje, também por meio de pessoas físicas e jurídicas. Deste modo, os fiduciários (financiadores) passaram a ter maior segurança ante a garantia de eficácia real conferida pelo instituto, o que reduziu significativamente o risco e custo de inadimplência.

Em 1969 o Decreto-Lei nº 911 alterou o artigo 66 da Lei nº 4.728/65, estabelecendo normas de processo sobre alienação fiduciária, o que conferiu maior aplicabilidade a este contrato.

Com o advento da Lei nº 9.514/1997, foi instituída a alienação fiduciária de coisa imóvel, objetivando dar maior amplitude ao instituto da alienação fiduciária. Tal norma buscou fortalecer os contratos de financiamento imobiliários, por meio da recuperação rápida de crédito, em caso de inadimplência do mutuário. Foi criada uma disciplina própria relativa aos bens imóveis, calcada naquela pertinente à alienação fiduciária de bens móveis, mas dela afastando-se em alguns pontos. Nesse sentido, é que a referida Lei passou a disciplinar o chamado SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário.

Com a instituição do Código Civil de 2002, os principais artigos referentes à alienação fiduciária foram transcritos no corpo do novo código, do artigo 1.361 ao 1.368-A. Embora presente também nesta nova localização, o instituto não sofreu maiores alterações, permanecendo o conteúdo estabelecido pelo Decreto-Lei nº 911 de 1969.

A alienação fiduciária operou nos moldes das referidas leis sem sofrer novas alterações até o ano de 2004, quando foi sancionada nova Lei, que dispôs, principalmente, sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias. Esta lei suprimiu o artigo 22 da lei anterior, a Lei nº 9.514/97 [...].

[...]

Entretanto, a modificação não se limitou aos bens enfitêuticos, suprimindo também o restante do artigo, que trata das hipóteses de contratação da alienação fiduciária.

No mesmo ano da publicação da referida lei, foi expedida a Medida Provisória nº 221, posteriormente convertida na Lei nº 11.076/2004, que restabeleceu o diploma legal acima destacado, retirando das entidades que operam o SFI o monopólio na utilização deste contrato, estendendo às pessoas físicas e jurídicas.

Destaca-se que a citada Medida Provisória foi mais além, pois deu uma nova redação ao art. 38, da Lei nº 9.514/97, permitindo a utilização da alienação fiduciária em instrumentos contratuais que visem “a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, podendo ser celebrado por escritura pública, ou por instrumento particular”. Desta forma, criou-se uma nova modalidade de direito real de garantia que paulatinamente poderá tomar o lugar das hipotecas.

3. Evolução Histórica [Alienação fiduciária]

Diferentemente dos dias atuais, no Direito Romano a alienação fiduciária tinha um outro conceito e finalidade. Por Fiducia, entendia-se como um contrato de confiança, onde pessoas passavam seus bens a outras com o intuito de protegê-los de circunstâncias aleatórias, com a ressalva de serem esses devolvidos quando entendia o proprietário que não necessitava mais dessa medida acautelatória. Era conhecida como fiducia cum amico e não tinha finalidade de garantia. Mas essa modalidade se transformou passando a ser a chamada fiducia cum creditore, onde o devedor transferia a propriedade do bem ao credor até que efetuasse o pagamento da dívida.

Regulamentado no Brasil na década de 60, surgiu com a Lei nº 4.728, artigo 66, de 14 de julho de 1965, que regulou o mercado de capitais visando crescimento econômico, dinamizando o financiamento de bens móveis, atribuindo como garantia da instituição que empresta o dinheiro a propriedade do bem.

Com advento da Lei nº 4.728/65 surgiu a possibilidade de ação de retomada da coisa em favor do proprietário, no caso do não-pagamento por parte do possuidor, que alienara a coisa fiduciariamente em garantia.

Foi criada a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, dispondo sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, instituindo a alienação fiduciária de coisa imóvel, dando maior amplitude ao instituto, e mais recentemente, em agosto de 2004 entrou em vigor a Lei 10.931, que  introduziu ao Código Civil o art. 1.1368-A com importantes modificações no habitual modo de tratamento do regime da alienação fiduciária de bens móveis e imóveis.


REFERÊNCIAS

1. RODRIGUES, Lucas Frota. Evolução histórica da alienação fiduciária em garantia de bem móvel. In.: DireitoNet. 2014. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8281/Evolucao-historica-da-alienacao-fiduciaria-em-garantia-de-bem-movel>.

2. FILHO, Luciano Amorim Correia; DE MELO, Ravana Seida Tavares. Alienação fiduciária de bens imóveis: Aspectos gerais e específicos. In.: JusBrasil. 2014. Disponível em: <http://ravenaseida.jusbrasil.com.br/artigos/114154946/alienacao-fiduciaria-de-bens-imoveis-aspectos-gerais-e-especificos>.

3. MARQUES, Rafael Stefanatte. Alienação fiduciária. In.:In.: Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9445>.

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